Imigração e Saúde
“… impelidos pelo destino e algo de outro…” Lasar Segall
Apresentação

Imigrantes italianos na Hospedaria dos Imigrantes, início do século XX. Acervo Museu da Imigração – São Paulo-SP
A escolha do tema é uma homenagem do Sindicato à história de São Paulo, destacando a fase imigratória da virada do século XIX para o século XX.
A ênfase principal estará no período de imigração massiva, evidenciando quais as implicações dessa imigração para a configuração da saúde no Estado.
As transformações demográficas foram muito expressivas nesse período, e podem ser vislumbradas por meio dos números. São Paulo, em 1872, tinha 837.354 habitantes, e em 1900 essa população havia aumentado para 2.282.279.
No Brasil, o fim do tráfico negreiro, em 1850, e o início do fim da escravidão evidenciaram problemas já existentes para o governo: mão de obra escassa e as dificuldades para a ocupação do imenso território. O sistema escravista no qual se baseava a economia ascendente da São Paulo do café entrou em colapso e, como solução, apareceu a substituição da força de trabalho escrava pela de imigrantes empobrecidos que desejavam constituir uma nova vida na América.
Além de serem trabalhadores livres, a vinda dos europeus alimentava o projeto nacional racialista de embranquecer a população brasileira composta, até então, principalmente, pela mistura étnica de portugueses, indígenas e negros.
Com a libertação dos escravos, não se cogitou utilizar a mão de obra assalariada da população negra para a expansão das plantações, o que intensificou dois dos maiores problemas do país: a desigualdade e a exclusão social.
A lei de terras de 1850, a abolição gradual da escravidão e a imigração internacional são os principais movimentos de transição para o trabalho assalariado no Brasil, com o menor custo para as oligarquias, principalmente, as do café.
Mão de obra e povoamento eram questões que se tornaram urgentes para o governo, que pensava no desenvolvimento econômico do país e na garantia do seu imenso território.
Inicia-se, assim, o incentivo para a vinda de imigrantes europeus para suprimir a necessidade de mão de obra nas fazendas brasileiras, principalmente as de café.
E para os imigrantes, o que contava? Se pudessem escolher, esses milhões de pessoas teriam escolhido sair espontaneamente de seus lugares de origem? O que a história mostra é que a maioria das pessoas se descola por falta de condições de sobrevivência e reprodução social em sua própria terra.
Na velha Europa: excesso de população, escassez de terra para todos, fome. Nas Américas, baixa densidade demográfica, muita terra e trabalho garantido.
Uma das implicações desse grande movimento de pessoas entre continentes foi a intensa circulação de microorganismos causadores de epidemias e pandemias, que espalharam sofrimento e apreensão em cada porto, travessia, estada. Um curto período de tempo parecia uma vida inteira.
O receio de contaminação era recíproco: tanto os brasileiros tinham medo das doenças epidêmicas trazidas pelos imigrantes europeus, como os europeus tinham medo das doenças endêmicas do Brasil, tornando-se grande a preocupação nos dois continentes.
Da Europa vinham principalmente a peste, cólera, escarlatina, difteria. No Brasil reinavam a febre amarela, malária, tracoma, esquistossomose, leishmanioses, ancilostomíase – algumas decorrentes da ausência de saneamento básico.
É essa aventura vivida na estruturação do Estado de São Paulo e de parte importante da história brasileira na Primeira República que contamos aqui, tendo como enfoque o olhar para a saúde nas décadas de imigração intensa.
Um trabalho de divulgação da história como esse só se faz possível em decorrência do expressivo trabalho de investigação produzido nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras.
A viagem começa nos navios, na travessia do Atlântico com as suas dificuldades e segue pela estruturação de uma rede de assistência médico-hospitalar em São Paulo, cidade onde boa parte desses estrangeiros aportaram e se estabeleceram.
Nosso fio condutor é a saúde compreendida pelo olhar da imigração.

A Travessia
“Pela primeira vez em minha vida avistava o mar e avistava navios. Vi como homens de todas as nacionalidades subiam a bordo desses navios e seguiam para mundos longínquos e desconhecidos, impelidos pelo destino e algo de outro... Eu não largava um instante do lápis...
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Lasar Segall e o retrato da viagem
As obras de Lasar Segall, pintor lituano que emigrou para o Brasil em 1923, são documentos importantes de uma parte desta história: a travessia do Atlântico. Lasar Segall sintetizou em traços, nos cadernos de viagens e em telas emoções, expressões e situações que...
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O tempo suspenso
A travessia, esse momento e lugar em suspenso, que durava em torno de 30 a 40 dias, era o tempo e o espaço para a acomodação dos mais variados sentimentos. Despedir-se da terra natal, das suas raízes e moldar expectativas de um novo tempo em uma nova terra. Novo...
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Emigração: expressão de liberdade de movimento pode ser também fruto da escassez
A emigração do final do século XIX foi provocada principalmente pelo novo arranjo industrial na Europa, com grande concentração populacional nas cidades, excluindo um número incontável de pessoas que cruzaram o Atlântico em busca de melhores condições de vida. Na...
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A decisão de emigrar
Não era simples atravessar o oceano. Nem emocionalmente, nem burocraticamente. A quantidade de documentos exigidos era significativa: passagens, passaporte, visto de entrada e saída dos portos de escala, certificado de vacinação, certificado de inspeção médica,...
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A doença nos navios
Estudos históricos recentes desvendam a experiência com a viagem de imigração. Acomodações desconfortáveis, anti-higiênicas, má alimentação, maus tratos, excesso de passageiros, resultando na certeza de adoecimento de boa parte dos viajantes. A doença nos navios...
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Proteção dos Portos
Com a notificação de epidemias na Europa, os portos brasileiros promoviam medidas de proteção quando da chegada de navios com riscos de contaminação. As mais comuns eram: a inspeção rigorosa de mercadorias e passageiros; desinfecção de embarcações; observação da...
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A quarentena nos navios e o torna-viagem
Navios notificados com a presença de cólera, peste ou febre amarela entre os passageiros e tripulantes eram impedidos de atracar nos portos brasileiros, sendo obrigados a retornar para o porto de origem. Alguns dos portos não permitiam que os passageiros dos navios...
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A Cólera nos navios
Desidratados, rapidamente os viajantes perdiam massa muscular, ficavam com olhos fundos e com a cor da pele azulada, sofriam com cólicas abdominais, espasmos musculares violentos, a pele murchava, mãos e pés ficavam gelados, escurecidos e enrugados, causando pânico...
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O Caso do navio italiano Carlo R.
O vapor Carlo R. saiu de Nápoles no dia 29 de julho, com 1.400 imigrantes a bordo, chegou ao porto com notificação de infectado, foi proibido de atracar no Porto do Rio de Janeiro, sendo direcionado ao Lazareto de Ilha Grande, enseada do Abraão. O Carlo R. teve 109...
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Proteção do país e questões humanitárias
O navio com um surto de cólera a bordo permaneceu por 6 dias nessa situação de suspensão no mar, até iniciar sua viagem de volta no dia 30 de agosto de 1893. Os imigrantes eram vítimas, acompanhavam o adoecimento e a morte dos seus companheiros de viagem e, muitas...
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Justificativa de José de Souza da Silveira, Diretor Geral de Saúde dos Portos para o “torna-viagem” do Vapor Carlos R.
“Parecerá, à primeira vista, a quem não observar com acurada atenção e necessário critério, que as medidas de extremo rigor tomadas pelo governo e autoridades sanitárias, em relação aos vapores supramencionados, foram atos de desumanidade, de verdadeiro vandalismo,...
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Depoimento de Adélia Benta Donandon do Amaral
“Minha avó parte, com o irmão de nome Medório, e sua segunda filha, sendo que a primeira filha tinha falecido na Europa. Durante a viagem surge uma epidemia de cólera e Medório falece, sendo jogado no mar. Ela continua a viagem, mas chegando ao Brasil, no porto de...
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Inspeção Sanitária nos Portos
Além da quarentena de navios e das pessoas, uma das medidas mais utilizadas pela vigilância sanitária brasileira para conter as epidemias no momento da chegada dos navios de imigrantes era a desinfecção. O Porto do Rio de Janeiro e o Porto de Santos tinham estratégias...
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Polícia Sanitária Marítima
Havia uma polícia sanitária marítima no final do século XIX baseada no isolamento ou quarentena de navios e passageiros, na desinfecção e nas visitas sanitárias. No Porto, havia um grupo de médicos responsáveis pela inspeção dos navios para verificar o estado de saúde...
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A Desinfecção
O foco da desinfecção eram os passageiros da terceira classe. No Lazareto da Ilha Grande, a desinfecção dos passageiros era feita com vapores de enxofre. As bagagens passavam por estufas previamente aquecidas, e os objetos eram lá depositados, permanecendo por cerca...
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Novos entendimentos sobre a prevenção das epidemias
Somente no início do século XX, com o consenso produzido na área médica de que algumas doenças eram transmitidas por vetores como mosquitos e ratos, no caso da febre amarela e da peste bubônica, e não pelo ar e pelo contato com objetos infectados, é que o sistema de...
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Aparelho de Clayton para desinfecção
A novidade com a descoberta dos vetores como transmissores das principais doenças que preocupavam os Portos, a febre amarela e a peste, foi o aparelho de Clayton, que passou a ser utilizado na desinfecção de navios, mercadorias e bagagens. O aparelho prometia liquidar...
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Novas formas de vigilância sanitária e de controle de epidemias nos portos
Com consolidação das novas medidas de prevenção de doenças que assolavam os portos, baseadas nas descobertas sobre a etiologia das doenças, o ambiente de chegada e recepção dos imigrantes torna-se mais estável. A descoberta de que o cólera poderia ser evitado com o...
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